Ir. Andréa da Santíssima Trindade, OSB
No artigo anterior enumeramos a presença de dois elementos fundamentais, que, juntos, edificam a vida de fé da Igreja.Segundo as Catequeses Mistagógicas, de S.Cirilo de Alexandria, catequese e liturgia têm funções constitutivas básicas para a vida do cristão.Nas Catequeses a experiência de fé era considerada pela comunidade primordial para o aprendizado e nesse processo, liturgia e educação aconteciam em estreita ligação.
A experiência do simbólico proporcionada pelas ações litúrgicas durante o catecumenato era de fundamental importância para a estruturação da vida cristã. Neste tempo de Natal em que o consumismo e outras coisas se põem no lugar do menino pobre de Belém, ofuscando cada vez mais o sentido real do Natal, talvez pudéssemos aceitar, em nossas celebrações litúrgicas, o grande desafio de voltar às origens, pelo caminho de uma preparação atenta e verdadeira à acolhida do Verbo encadernado, que sempre renasce em nossas vidas.
É certo que muitas famílias, com as novenas de natal nos bairros, já despertaram para a intenção de não fazer do Natal um momento só de trocas de presentes, mas de manterem-se atentas a uma mais profunda espera e a um compromisso de seguimento do Cristo que vem.
Nesse tempo do Advento poderíamos também, em nossas celebrações, trilhar um caminho mistagógico, na busca de viver o Natal não só como um acontecimento do passado mas como um fato do presente, que continua a fermentar o nosso coração, na expectativa da vinda do Cristo até nós.
O ciclo do Natal “tem o presente por idéia central, nesse caso o passado é somente imagem e símbolo. A liturgia encara a primeira vinda e visa a visita atual pela graça e olha com perspectiva profética para a volta do Senhor.” Sendo assim, o Ano Litúrgico é como um excelente educador que não só nos faz passar pela fé à espera do Cristo mas também nos conduz ao seu encontro num desejo sincero. Os textos da liturgia, as orações de cada domingo do Advento nos alimentam e nos ajudam a despertar e dão densidade ao nosso desejo. Daí a importância daqueles que vão intervir na liturgia, de preparar bem suas funções e ajudar nesse processo do Espírito. “O desejo já é nossa oração”, já dizia Santo Agostinho. Aí entra a liturgia, que pode nos conduzir para dentro do mistério que estamos para celebrar, ajudando-nos a centrar no Cristo todas as nossas aspirações e desejos.
Uma vez que Cristo nasceu, esperamos a sua próxima vinda ou seja o seu Reino, que deve crescer em nós e se expandir na Igreja. Esta pode ser a nossa aspiração íntima, o desejo sincero e a nossa ardente súplica, porém esse nosso desejo deve ser educado, libertado de seus instintos egoístas. A Liturgia , nesse sentido é a grande pedagoga, que bem realizada e afinada com o Espírito, nos arrasta e é sobretudo expressão do Espírito que vem em auxílio de nossa fraqueza e reza em nós.
“Muitas vezes construímos imagens não bíblicas, não cristãs do próprio Senhor a quem seguimos". As leituras, os hinos, as antífonas, as orações de cada semana do Advento nos ajudam a desenhar o rosto do Senhor em quem colocamos toda a nossa esperança; e nos ensinam a viver esse tempo litúrgico com intensidade, sem superficialidades e antecipações.
O Advento não é senão a súplica insistente, o desejo profundo de que se aproxime o Reino de Deus. Ele lembra, pois, à Igreja a sua tarefa e missão: trazer o Reino de Deus para as pessoas. Tempo de preparação e abertura e de alargar-se em nós o Reino de Deus.
Para que vivamos o Natal, não apenas como um acontecimento do passado, precisamos aguçar a nossa fé no sentido de resgatar o seu verdadeiro e pleno valor.
Segundo Vicent Ryan, para as igrejas da Gália e Espanha que possuíam ritos anteriores ao Romano, no século VI a preparação para o Natal datada a partir do dia 17 de dezembro, assumia forme distinta e sistemática na preparação dos participantes, com o intuito de conduzi-los a uma vivência baseada nas Sagradas Escrituras (às esperanças messiânicas do Antigo Testamento expressas por meio das palavras dos profetas). Esse tempo constituia-se exatamente de duas semanas antes da Epifania, festa de grande importância para a Gália. Essa semanas correspondiam à Semana Santa da Páscoa, que se seguia como preparação intensa para celebrar o Santo Natal.
Na Liturgia das Horas, oração da Igreja, no Ofício da Oração da Tarde, o cântico evangélico da Virgem Maria, o Magnificat, é ornado com aquelas composições belíssimas, conhecidas como “Antífonas do O”, que o precedem e seguem. Assim chamadas porque cada uma dessas sete antífonas se dirige ao Cristo, Verbo Incarnado, usando um título divino-messiânico: Ó Sabedoria, Ó adonai.... Cada uma delas é dirigida a essa palavra de Deus, que existia com o Pai, o esperado de toda a eternidade e que habita entre nós. Canto desenvolvido com um ritmo de admiração e súplica.
Essas antífonas foram utilizadas desde o século VIII e seguem hoje propostas como uma Novena de Natal, proposta pelos organizadores do Ofício Divino das Comunidades, seguindo um ritmo orante, apoiado nos salmos, leituras, silêncio e preces peculiares à espiritualidade do Advento. O compositor Reginaldo Veloso acrescentou-lhes mais dois títulos de Cristo, com a intenção de completar os dias de uma novena.
A suplica final: Vinde enfim, nos salvar, ó Senhor e nosso Deus, é o grito do coração da Igreja e como a Igreja não reza só por si própria, mas pelo mundo, é também o grito da humanidade, dirigido Àquele que vem e que sempre está conosco.
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